Visões de dentro do muro [The Adventures of White-Man] FIMFA Lx17

CRÍTICA

The Adventures of White-Man - Paul Zaloom
20 de Maio de 2017, Sala-estúdio do Teatro Nacional D. Maria II
FIMFA Lx17 – Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas


Paul Zaloom é um marionetista, humorista, cineasta e performer muito conceituado, que ganhou vários prémios e importantes bolsas de apoio à criação nos Estados Unidos. A sua abordagem cómica e satírica da sociedade e política norte-americanas, a par com o seu invulgar talento, faz do seu nome uma garantia de um bom espectáculo, repleto de humor e inteligência acutilantes.

Em The Adventures of White-Man (As aventuras do Homem-Branco), o seu décimo quinto espectáculo, somos convidados a acompanhar as peripécias do caucasiano, chamado por Deus, a explorar, colonizar e civilizar um novo mundo: o planeta Terra do futuro. Neste planeta, os nativos são esse “outro” radical para a mundivisão deste descobridor branco, que acabam por ele explorados, subjugados e aprisionados do outro lado do muro....

Colocando-se por detrás do seu pequeno teatro, Paul Zaloom dá vida a um conjunto de objectos encontrados, principalmente brinquedos da sua colecção, que são projectados em alta definição atrás de si para evidenciar as fragilidades e os preconceitos raciais e sociais inscritos e deturpados na cultura ocidental. Numa sátira mordaz e muito pertinente, e num momento em que a política estado-unidense parece querer dirigir-se para um futuro cada vez mais dividido, o discurso irreverente e perspicaz do autor poderá contribuir para a reflexão pela gargalhada garantida que expõe o absurdo de práticas e conceitos associados a questões étnicas e raciais.


Neste espectáculo sobre a raça ninguém está a salvo (brancos, negros, mexicanos, judeus), mas é o homem branco que se vê repetidamente caricaturado e ridicularizado nos seus estereótipos, desde o universo chique do country club pela mão de uma pequena estatueta de um jogador de golfe, ao interior profundo do campónio conservador (redneck), representado por uma pequena chaleira. Nas mudanças de cena, Zaloom lê-nos em voz-off uma lista interminável de nomes possíveis para definir o caucasiano nos Estados Unidos da América, resultando numa divertida compilação. Entre gags e trocadilhos mordazes, vamos acompanhando as aventuras do homem-branco que passa por diferentes fases da sua missão espiritual, começando como explorador e civilizador, para se converter no filantropo sem custos e, finalmente, no cidadão exemplar (law abiding citizen): desempregado de classe média baixa, que bebe umas cervejas em frente ao televisor, enquanto concorda com o pequeno peluche de uma raposa, aqui transformada em Fox News, apregoando o combate ao socialismo, mas recebendo todas as suas pensões. Contudo, e perante a notícia de que em 2042 o homem-branco será uma minoria, vê-se assombrado e isolado pelo mundo que ele próprio criou: preso do outro lado do muro, transformado num animal em extinção que pede ajuda e grita “white lives matter” (as vidas brancas importam). 

O jogo das personagens-tipo convertidas em brinquedos icónicos constrói um universo de paródia infantil que convoca a imaginação e a brincadeira e introduz a leveza do faz-de-conta na denúncia de problemas sociopolíticos estruturais da sociedade norte-americana, expostos até na demonstração de objectos associados a preconceitos raciais, como um brinquedo de cão que é a caricatura de um mexicano.

A extraordinária técnica de Paul Zaloom, tanto na manipulação dos objectos, como na sua expressão vocal que interpreta movimentos, objectos e personagens, é demonstração da sua versatilidade e virtuosismo, que resultam num grande momento de sátira política e social e num espectáculo verdadeiramente hilariante.